quinta-feira, 14 de abril de 2016

Especial Agatha Christie: Morte na Mesopotâmia

Título: Morte na Mesopotâmia
Autora: Agatha Christie
Ano da primeira publicação: 1936
Editora: Nova Fronteira
No de páginas: 240


    Como todos os livros que já li escritos por Agatha Christie, Morte na Mesopotâmia possui uma trama envolvente, intrigante e diferente de qualquer outra. Publicado em 1936, o livro, como o  título sugere, possui como cenário a região do Oriente Próximo outrora conhecida como Mesopotâmia, mais especificamente um sítio arqueológico perto da cidade de Tell Yarimjah no Iraque.


    A expedição arqueológica, no entanto, não ocorre da maneira prevista desde que seu líder, o Dr. Leidner, se casou, evento que contribuiu para o afastamento de seus companheiros de expedição e amigos. De fato, existe uma tensão crescente entre os membros encoberta pela polidez com que se relacionam; e esta tensão, segundo tudo indica, é proporcionada pela presença da Sra. Leidner. Ela e a Sra. Mercado são as únicas mulheres da expedição que não estão envolvidas diretamente com a arqueologia, mas acompanham seus maridos nas exigências de suas profissões, situação bastante comum para a década de 1930.
A “anfitriã” Louise Leidner é o tipo de mulher que sem qualquer esforço torna-se o centro das atenções em qualquer lugar que se encontre embora seu estado de nervos, ela está constantemente preocupada, seja encarado por alguns dos personagens como um artifício medíocre para chamar a atenção de todos, principalmente do marido. Neste ponto o dr. Leidner chega à conclusão de que para solucionar os medos de sua esposa é necessário contratar uma enfermeira e é desta maneira que Amy Leatheran, a narradora do livro, entra na história ao mesmo tempo em que se mantém relativamente distante dos acontecimentos.
    É interessante observar que em momento algum Amy  pretende que seu relato seja neutro, pelo contrário, ela assume muito claramente que em alguns casos suas afinidades com um personagem, bem como suas implicâncias com outro influenciam de maneira decisiva sua escrita. Assim, os leitores são levados a duvidar da própria narrativa, ao invés de acreditar em tudo como ocorreria caso o livro fosse escrito por um narrador onisciente.
Dentre os demais personagens, Srta. Johnson, Sr. Mercado, Sr. Reiter, Richard Carey, David Emmott, padre Lavigny, Sr. Coleman, Sheila Reilly, Dr. Reilly, são todos muito bem desenvolvidos ao longo do livro, principalmente após o crime. Para desvendá-lo, o M. Poirot, que se encontra no Iraque, é convocado e, como é esperado de Agatha, sua solução é extremamente perspicaz assim como, para muitos leitores, inesperada.
Li uma vez em algum lugar que os livros de Agatha não se resumem a mistérios policiais muito bem escritos, outros elementos são muito importantes, desde relacionamento familiar a política governamental. Não me recordo se foi a própria rainha do crime quem disse ou outra pessoa, de qualquer forma, desejo ressaltar dois aspectos extremamente interessantes e que conferem ao mistério maior profundidade.
O primeiro deles é a questão de mulheres casadas com arqueólogos acompanharem seus maridos em expedições. Esta é uma prática observada desde o século XVIII, antes mesmo da arqueologia se estruturar como disciplina acadêmica e desde então muitas mulheres se engajaram em viagens e passaram até mesmo a desempenhar funções consideradas menos importantes dentro da arqueologia, ou dedicavam-se a elementos da cultura material que eram negligenciados pelos homens, como utensílios domésticos e vestimentas. O que torna este aspecto ainda mais interessante aos olhos dos leitores é que Agatha descreve sua própria experiência. Ao casar com o arqueólogo Max Mallowan, seu segundo marido, a escritora viaja para o Oriente e participa de expedições arqueológicas tal como a Sra. Leidner, e alguns de seus livros – Morte no Nilo e Intriga em Bagdá, assim como Morte na Mesopotâmia – foram resultantes destas viagens. O presente livro foi inclusive dedicado aos amigos de Agatha no Iraque e na Síria.
O segundo aspecto é o modo como o Oriente é representado na obra. Neste sentido retomo o professor de literatura  Edward Said que dedicou sua carreira a estudar as relações entre Ocidente e Oriente. Em seu livro O Orientalismo, dentre diversas ideias que não poderão ser desenvolvidas nesta resenha, ele defende que o Oriente é uma criação do Ocidente; este apropria-se do conhecimento sobre aquele a fim de dominá-lo. Assim, o Ocidente representa o Oriente, em músicas, filmes, livros, trabalhos acadêmicos, jornais, como um local exótico, de misticismo e sensualidade. Isto posto, notamos que a enfermeira Amy Leatheran realiza diversas associações entre o que ela ouvia a respeito do Oriente enquanto estava na Inglaterra, notadamente a reputação da localidade como terra das mil e uma noites como ela escreve, e o que ela observa em sua estadia no Iraque. Esta viagem revela que o Oriente não é tão glamoroso quanto o Ocidente da década de 30 faz pensar, mas um lugar com diversos problemas, foco da narrativa quando Amy descreve a região, ainda que também possua pontos positivos.
Deste modo, a leitura de Morte na Mesopotâmia é rica e profunda encantando tanto leitores que se interessam somente pelo crime retratado, quanto leitores que desejam explorar outros aspectos presentes na narrativa. Por fim, gostaria de dizer que este livro encerra com Poirot embarcando no Expresso do Oriente em um link direto com o livro O Assassinato no Expresso do Oriente.
Nynaeve

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