sábado, 30 de junho de 2018

A longa viagem a um pequeno planeta hostil – Becky Chambers




   Beck Chambers, escritora de ficção científica americana, lançou em 2014 o livro “A longa viagem a um pequeno planeta hostil” e se tornou um grande sucesso com a crítica literária e com os fãs do gênero. O livro foi primeiramente publicado por um financiamento coletivo da plataforma Kickstarter, e por conta de seu bom desempenho foi indicado a vários prêmios, e logo em seguida foi comprado por algumas editoras que o relançaram.
            Cheguei ao livro através das recomendações da Amazon, e fiquei surpresa com as indicações e avaliações positivas em geral. Muitos realçaram o fato da autora ser capaz de trazer novidades ao gênero de ficção científica já muito explorado na literatura, o que realmente me interessou.
            A narrativa se inicia quando conhecemos o capitão Ashby que controla uma nave espacial operária. Nesse início podemos dizer que o capitão parece ser o protagonista, - vide o capitão Kirk de Startrek -, entretanto, esta é uma história cheia de personagens incríveis. Ashby está feliz porque foi autorizado pelo seu chefe e a indústria a qual responde, a contratar um novo funcionário para auxiliá-lo com a organização da nave. Chamada de Andarilha a nave tem uma função muito especial, ela é capaz de abrir um “buraco de minhoca” no espaço. Esta é a melhorar maneira de cruzar longíssimas distancias no universo, criando duas portas e as conectando.  
            A nova contratada é uma garota humana de Marte, Rosemary Harper, que viveu em Marte, mas sempre teve o desejo de conhecer o mais profundo universo. Logo ela é apresentada aos seus colegas de trabalho. São eles; o Capitão Ashby o experiente capitão humano, de quem ela tem ótimas primeiras impressões. Corbin, outro humano, mas conhecido por ser uma pessoa difícil. Kizzy, humana, uma inteligente engenheira mecânica e Jenks, humano, trabalha com os sistemas de computação. Os outros membros são alienígenas; Sissix, de uma espécie chamada Aandriskana, ela tem garras, presas e penas, é co-capitã, como um imediato. Dr Chef, médico e cozinheiro, e Lovelace o sistema de inteligência artificial que controla toda a nave.
            Assim que Rosemary se estabilizou com seus colegas e seu trabalho, o capitão recebe uma mensagem. Dizendo que pelo bom e longo trabalho da tripulação, a nave Andarilha foi selecionada para uma missão extraordinária, que será longa, mas pagará tão bem, que eles nunca precisarão trabalhar novamente. Esse novo trabalho consiste em uma longa viagem para um planeta que acabou de entrar na Comunidade Galáctica, para que este fique conectado aos outros mundos. Antes de aceitar todos refletem, pois vão viver muito tempo juntos, mas decidem em grupo irem construir o “buraco de minhoca”.
            Até esse momento, você pode pensar, parece uma narrativa comum de ficção científica. Uma grande jornada, um grande herói que vai conquistar o universo. Mas a autora apresenta algo diferente. O universo, mesmo considerando todas as espécies alienígenas, é a nossa casa. E há pessoas comuns na nossa casa, com seus problemas, seus sonhos, sua maneira de viver. Não existe um grande líder que bravamente vai salvar todo mundo. Nesse livro todos os personagens contribuem para a jornada. Chambers monta o universo complexo, no qual as outras espécies são importantes. Por exemplo, a tripulação descobre ao longo da viagem que o planeta destino, só foi considerado para entrar na Comunidade Galáctica, porque os outros planetas tinham interesses financeiros, e por não aceitarem isso, são vistos como um planeta hostil. Entretanto, isso não quer dizer que sejam alienígenas malignos. Mesmo os antagonistas têm razões compreensíveis.
            Mas para mim, a melhor parte do livro é como funciona a vida entre todos os alienígenas e quantas possibilidades ela traz. Dr. Chef, por exemplo, é um Grim, uma espécie capaz de transitar entre os gêneros, em alguns momentos é mulher em outros é homem. Sissix, simplesmente não entende o comportamento humano e porque usamos roupas, mas principalmente como há o relacionamento entre a pais e filhos. Porque na sociedade dela, os jovens reproduzem e entregam o bebê para um casal mais velho e eles criarão a criança. Ou seja, ninguém cresce realmente com seus pais, e isso não é um problema. Sissix teve bebês, mas ela não é mãe. Por conta dessas características ela praticamente vive sem se relacionar com outros da sua espécie. E trabalhando na nave ela descobre muito sobre a amizade e mesmo um pouco sobre paixão e amor, quando ela e Rosemary iniciam um relacionamento.
            O Capitão sempre viveu na nave, para ele é quase impossível viver fora do espaço, mas ele se apaixonou por uma comandante militar. E ele sempre é muito confuso sobre ela, e tem medo de perdê-la. A autora ainda apresenta uma bela discussão através de Jenks que é apaixonado por Lovelace, inteligência artificial. Nesse universo a inteligência artificial não é aceita como vida, apenas como um controlador de sistema e um servo. A partir disso Chambers demonstra o quão cruel uma sociedade pode ser quando desrespeita os sentimentos de outros.
            O final do livro é quase dispensável perto da complexidade da longa viagem e de seus participantes. O universo de Chambers me aparenta ser muito mais real e possível do que a grande maioria da ficção científica, porque mostra como seria a vida junto com outras espécies de uma maneira mais natural. E ainda a importância do respeito, independente de qualquer coisa, sendo que viveremos muito melhor em conjunto quando aprendermos a respeitar as nossas diferenças.

Sorcha

terça-feira, 5 de junho de 2018

Música ao longe - Erico Verissimo

Ano de publicação: 1936

Editora: Globo

N° de páginas: 240 


A adolescência é um período conturbado e confuso que infelizmente temos que passar. Algumas vezes pensamos nesse tempo com nostalgia em outros preferimos somente esquecer que um dia passamos por isso. Minha adolescência, em particular, é marcada pela leitura de algumas obras e autores que até hoje tenho um imenso carinho. Lê-los depois de tanto tempo me evoca um misto de sentimentos e ainda que a história permaneça a mesma a pessoa que leu anos atrás certamente não é a mesmo de agora.
            Assim como muitos dos livros que li durante a adolescência Musica ao Longe foi indicação de alguém muito especial, cujos os sentimentos ao ler a obra de Erico Verissimo, tenho certeza, são muito semelhantes aos meus. Talvez por isso que tais obras sejam tão marcantes ou especiais, não há dúvidas que você também tem uma que guarde com o maior carinho, não importa por qual motivo seja.
            Mas por que estou falando tanto sobre memórias ou adolescência afinal?
Música ao Longe é a continuação de Clarissa, primeiro romance do escritor Érico Verissimo. Se no primeiro era focado no início de sua adolescência, duma Clarissa quase criança carregada de inocência e sonhos na Porto Alegre da década de 1930, neste segundo romance a protagonista está mais crescida, amadurecida e não possui a mesma ingenuidade de antes.
De volta à cidade natal Clarissa precisa lidar com uma nova realidade, da família falida que não admite largar mão da tradição e reconhecer que não vive mais os tempos de bonança e dela própria tentando se encaixar num ambiente antes tão conhecido onde um que mal reconhece sua própria família. Para a jovem os valores defendidos por seu pai não condiz com a realidade que vivem e ela parece ser a única a perceber isso, ainda que permaneça calada.
Clarissa passa os dias escrevendo em seu diário, a única companhia que a entende, não há ninguém na família ou na cidade que seja interessante, com exceção talvez de seu primo Vasco, uma incógnita para a moça. E assim vai se passando o tempo, cada dia aprendendo mais e se deslocando mais daqueles que a cercam. Uma jornada de amadurecimento e da descoberta do primeiro amor, um momento por qual todos passamos algum dia e definitivamente não sabemos lidar, não é diferente do que sofre Clarissa.
Música ao Longe não é um livro extraordinário, sua história é bastante simples e é mais um exercício de escrita do autor que uma grande história. Como de costume Verissimo faz sua crítica a sociedade rio-grandense e de quebra à brasileira também, das suas tradições e valores deturpados, da resistência por mudança de uma parcela e penúria vivida pela outra parcela da sociedade, tais críticas naturalmente serão aprimoradas em suas obras seguintes. Naturalmente este não é o melhor trabalho de Erico Verissimo, mas quem disse que precisa ser uma obra prima para que nossos corações sejam conquistados.
Este livro ajudou a moldar meu gosto pela leitura e quando vou escrever gosto de partir de algum ponto que me toque, não simplesmente escrever por escrever. Em algum momento na minha vida li uma história que me conquistou ou emocionou, todos temos isso, não conseguiria falar de Clarissa Albuquerque sem lembrar de mim aos 15 ou 16 anos. Por isso deixo aqui a pergunta: qual a história que te marcou ou te comoveu? Aquela que te define.


Ana Terra