sábado, 16 de julho de 2016

A Lagoa Azul - Henry de Vere Stacpoole

Título: A Lagoa Azul
Autor: Henry de Vere Stacpoole
Ano da primeira publicação: 1908
Editora: Globo
No de páginas: 226
           Sim, pode parecer extraordinário que o filme tão recorrente na Sessão da Tarde – ao menos era alguns anos atrás – seja baseado em um livro homônimo publicado em 1908. Aliás, o filme estrelado por Brooke Shields é bastante fiel ao romance. Vale ainda lembrar que existem pelo menos mais três versões cinematográficas da história e, além disso, a peça baseada no livro fez sucesso em Londres na década de 1920. Escrito pelo irlandês Henry de Vere Stacpoole, A Lagoa Azul possui ainda duas sequências: The Garden of God (1923) – conhecido pelo filme De Volta à Lagoa Azul – e The Gates of Morning (1925).

Creio que o enredo dispense apresentações: os primos Emmeline e Richard Lestrange crescem em uma ilha longe de qualquer contato com a civilização após um acidente com o navio que os levaria a São Francisco. Durante a narrativa, alguns aspectos chamam a atenção do leitor para o tipo de concepção de mundo que o autor possuía. O principal deles talvez seja as referências claras ao Jardim do Éden e a Adão e Eva. Outro elemento aparente é a dicotomia entre sociedade/civilização e natureza, ainda que esta não seja muito explorada pelo autor, é perceptível uma relação entre a obra e o Bom Selvagem de Rousseau, apesar da sociedade não ser completamente criticada por Stacpoole neste primeiro livro, a vida que o casal leva na ilha parece um ideal de perfeição bastante romantizado. Neste sentido, o contato com a natureza não torna o homem selvagem, pelo contrário, ela parece oferecer oportunidades para o desenvolvimento humano.
Tal como o casal bíblico, Emmeline e Richard se incumbem de tarefas diferentes na ilha. Enquanto a mulher cuida da casa, prepara a comida e posteriormente cria o filho; o homem é responsável pela caça, coleta e construção. Esta divisão sexual não está presente somente nas atividades cotidianas, ou decorrentes simplesmente da constituição física de cada um, mas suas mentes também são diferentes. Assim, enquanto Emmeline se preocupa com questões místicas e filosóficas, tais como a existência de Deus e as relações entre vida e morte, Richard é extremamente prático, suas preocupações são imediatistas e sua curiosidade está, sobretudo, na maneira pela qual as coisas funcionam mecanicamente, seja um barco ou um tubarão. O narrador em diversos momentos equipara as funções de Richard ao Engenheiro da civilização, ainda que ressalte que talvez ele não fosse tão feliz quanto era na ilha, e Emmeline, como todas as mulheres, é responsável por pensar o sentido da vida e desta forma assume um papel quase religioso. Este discurso endossa a corrente de pensamento bastante cristã de que homens e mulheres são diferentes, em todos os sentidos, ao mesmo tempo em que são complementares.
Ainda em relação à religião, é sintomático perceber que o relacionamento de Emmeline e Richard só se desenvolve no aspecto físico após uma espécie de casamento celebrado pelo deus de pedra presente na ilha, o que acarreta a moral cristã de que a relações sexuais só têm espaço e legitimidade dentro do casamento religioso. Contudo, o ídolo em questão é claramente pagão e os rituais de sacrifício humano são um ponto importante da história ao mesmo tempo em que consistem em uma prática completamente oposta aos ritos cristãos. O que Stacpoole parece destacar é que o Deus onipotente, onisciente e onipresente, supera as diferentes religiões e está acessível a todos em todos os lugares. É por este motivo que, apesar de não haver uma celebração tradicionalmente religiosa de casamento, a relação entre Emmeline e Richard é válida perante Deus.
    Esta vida idílica dos personagens parece um contraste claro com a sociedade européia do início do século XX. É importante ressaltar que neste período as mulheres já lutavam por direitos, como as sufragistas, as relações sociais e de trabalho não estavam pautadas pelo molde cristão e a religião em muitos casos não era mais central na vida das pessoas, ou então era relegada ao espaço privado. Por outro lado, uma parcela desta sociedade se apegava cada vez mais aos valores bíblicos justamente por causa destas mudanças assim como por causa da imoralidade e dos vícios da sociedade da época. Desta forma, é possível localizar A Lagoa Azul, e consequentemente seu autor, neste segundo grupo, que busca retomar os ideiais cristãos.
            Por fim, concluo que a leitura deste livro não traz nada inovador para aqueles que assistiram ao filme, e que consiste em uma leitura agradável, mas esquecível. É o retrato de uma organização social fortemente religiosa, e que, em um contexto de transformações, luta por manter o status quo. Por outro lado, se para você, assim como para mim, é incômodo o discurso de divisão entre os sexos, creio que a narrativa será mais irritante que agradável.

Nynaeve

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